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"Canção do Vale" estreia no Teatro D. Maria II
Data: 04-11-2008
Fonte: Diário Digital
Avô e neta vivem juntos mas perseguem sonhos diferentes, na peça "Canção do Vale", do dramaturgo sul-africano Athol Fugard, que o Teatro dos Aloés estreia quinta-feira, dia 6, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.
"Descobri há dois ou três anos este texto e emocionou-me muito: é a história do confronto de duas gerações, uma que viveu antes da abolição do apartheid e uma outra que vive depois disso, com outros projectos", descreveu José Peixoto, director artístico do Teatro dos Aloés, que participa nesta peça como actor.
A história "ganha uma dimensão trágica, na medida em que avô e neta sabem que os seus destinos são divergentes, mas vivem ligados por um afecto muito forte que lhes não permite separarem-se", referiu.
Em "Canção do Vale", vivem numa pequena aldeia da região do grande Karoo, na África do Sul, um velho agricultor negro de 70 anos, Abraam Jonkers, e a sua neta, Verónica, de 17 anos, que são "coloreds" (sul-africanos de raças misturadas), e um homem branco designado como Autor, que surge em palco no início da peça para "anunciar o que vai acontecer".
Por vontade de Athol Fugard, de 76 anos, que assim encenou e representou pela primeira vez a peça em 1995, em Joanesburgo, o velho e o autor são encarnados pelo mesmo actor, neste caso, José Peixoto, que contracena com Carla Galvão, numa encenação de Jorge Silva, com música original de Filipe Melo.
"Eu gosto do teatro que conta histórias acerca da vida das pessoas, que põe a cena diante do público e dialoga com o público, com a consciência de que ele está ali para ver", sublinhou José Peixoto.
Neste caso, "o autor está em cena e fala, conta, e depois dialoga com as suas personagens", o que tem, na sua opinião, "um significado": "É como se Abraam e o Autor fossem alter-egos, são duas realidades da África do Sul, uma branca e outra negra, que vivem a assimilação dessas duas culturas".
Depois, a terceira personagem, Verónica, "também é uma criação do autor, mas uma criação que protesta contra o autor, que se opõe, e que, no meu entender, é também um alter-ego: é uma pessoa que é agora o que Athol Fugard foi há 50 anos", defendeu.
"Também ele - frisou - deixou a sua terra e andou a correr África de boleia, fez-se marinheiro, deu a volta ao mundo, e fez teatro em Inglaterra, nos Estados Unidos, etc., até que volta para a África do Sul, convencido de que não tem mais nada a fazer, porque o Apartheid acabou e todo o seu teatro foi um combate ao Apartheid e depois, quando este foi abolido, ele descobre que não pode parar, tem de continuar".
Segundo José Peixoto, "aqui está a divisão entre duas tendências: a tendência do regresso ao vale - 'agora quero ficar quieto e voltar à essência das coisas, estou farto do mundo de faz-de-conta do teatro e, portanto, quero um mundo verdadeiro' - mas também a consciência de que não pode parar".
"Ou continua a trabalhar ou arranja alguém, um jovem, que assuma a mesma missão social e artística que ele assumiu quando tinha 20 anos", sustentou.
O teatro de Athol Fugard, considerado um dos mais importantes dramaturgos contemporâneos, "tem uma forte conotação política" - observou - embora não haja referências políticas ou ideológicas directas nas suas peças.
"A dimensão política deste texto está naquilo que não é dito", comentou, "e é um texto fascinante".
A "Canção do Vale" - a que The New York Times chamou "poema para dois actores e três vozes" - estará em cena na sala estúdio do Teatro D. Maria II até 14 de Dezembro.