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Crise ameaça saúde
Data: 08-04-2012
Fonte: Sol
Até as famílias com nível de vida confortável não têm dinheiro para tratar as doenças. Idosos são situação preocupante
Sem dinheiro para remédios
A crise económica chegou a quem, até há pouco tempo, tinha um nível de vida confortável. É o caso de João – que pertence a uma família tradicional, da área da Grande Lisboa – que, por razões monetárias, abdicou de tomar os medicamentos de que precisava.
Os negócios da empresa de João começaram a correr mal, deixou de ter dinheiro para pagar aos empregados. E, perante as dificuldades económicas, este empresário – com problemas de colesterol e hipertensão – decidiu deixar de tomar toda a medicação. Resultado: deu entrada no Hospital de Setúbal com um enfarte.
Uma cardiologista referiu ao SOL que casos destes começam a ser frequentes. "Tenho um doente coronário que parou toda a medicação, só não deixou a aspirina", exemplifica. Trata-se de um homem, de 65 anos, que era empresário, e que até tinha uma quinta na zona de Sintra, com cavalos, e que, nesta altura, "está na ruína". Ele e a mulher estão reformados e a filha encontra-se desempregada. O casal vive angustiado porque tem de conseguir sustentar a filha e também a neta.
Mal nutridos e sem higiene
Ana, uma idosa, entrou desidratada e com uma infecção respiratória grave na urgência do novo Hospital de Loures. Já devia ter ido mais cedo, mas as dificuldades económicas dela e do filho adiaram a deslocação ao médico. "Há muitos idosos que nos chegam em mau estado geral: mal nutridos, sem higiene", conta Carlos Palos, director das urgências do Hospital Beatriz Ângelo.
O responsável diz que tem assistido a "situações dramáticas" e as urgências da unidade só abriram as portas há um mês. Aliás, todos os dias pelos menos 10 doentes – dos 280 vistos no serviço – chegam em situação muito precária. E já nem os filhos conseguem ajudar os pais, A falta de dinheiro leva-os a interromper os tratamentos e a recorrer à urgência apenas em último caso. "Chegam em pior estado", confirma Ana França, directora-clínica do Hospital Garcia de Orta, em Almada.
E tal como sucede com as crianças, também há cada vez mais idosos a ir sozinhos ao hospital. "Antes traziam sempre acompanhante. Agora como não há dinheiro só vem mesmo quem precisa", explica.
Abandonados nos hospitais
A mãe de Paulo teve alta hospitalar, ele não tinha dinheiro para a transportar para casa. Uma história idêntica à de muitos portugueses que deixam os seus idosos no hospital. "Estava desesperado e disse que, quando a mãe estiver completamente dependente, que a abandona no hospital", relatou ao SOL a assistente social que acompanha o caso.
Paulo, solteiro de 50 anos, arrendou o seu apartamento e mudou-se para a casa de uma tia, para cuidar dela e da mãe. Entretanto, a tia morreu e ele herdou a casa. Mas foi uma pesada herança porque não tem dinheiro para pagar o imposto sucessório. Para piorar a situação, o casal a quem arrendou o apartamento deixou de pagar renda. Com um vencimento de 800 euros, Paulo não consegue colocar a mãe num lar. Toda a situação levou-o a uma depressão. "Sempre fui o menino delas e vi-me a ter de mudar as fraldas à minha mãe e à minha tia", desabafou com a assistente social.
A crise está também a levar os ciganos a colocar os idosos em lares por não terem dinheiro para os sustentar. "Nunca tinha visto um caso como este; a etnia cigana é muito ciosa dos seus familiares e cuida dos seus", conta Ana França, directora-clínica do Hospital Garcia de Orta, Almada.
Profissionais liberais na miséria
Uma advogada, de 40 anos, perdeu o emprego e pouco depois descobriu que tinha um cancro. Os tratamentos impediram-na de voltar a exercer, acabando por não poder pagar a renda da casa onde vivia. Ficou sem tecto e pediu ajuda à Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa "Foi encaminhada para a Misericórdia que lhe garantiu alojamento e apoio", diz a directora dos serviços sociais, Fátima Xarepe.
Estes casos estes são cada vez mais frequentes. "Aparecem-nos muitos sem-abrigo e têm surgido situações de pessoas que viviam bem e acabaram na rua", refere uma assistente social de um hospital de Lisboa. Na sua unidade deu entrada, com um acidente vascular cerebral (AVC), um ex-bailarino da Gulbenkian, na casa dos 50 anos, que estava a viver na rua. Um problema na coluna, impediu-o de trabalhar.
Ficou com uma reforma de 200 euros, e tornou-se alcoólico e sem-abrigo. "A família não sabia dele há dez anos", conta a técnica. Mas o AVC mudou-lhe a vida: "Quando se viu no hospital, sem poder andar, ganhou uma nova vida. E a família ficou feliz porque significou um novo recomeço". O ex-bailarino teve alta e a filha e a irmã uniram-se para lhe pagar a estada num lar.
por Joana Ferreira da Costa e Liliana Garcia